quinta-feira, 29 de maio de 2008

Romântico.

.
E há muito vivia,
Numa terra tardia,
Um ser que dizia,
Meu Deus! Como quero voar.

E a terra batida,
O instante, a ferida,
O laço da vida,
Ao chão, segurar.

E o pedaço de mundo
Que seguia, sem rumo,
No chão, moribundo,
Pôs-se logo a sonhar.

Uma visita sagrada,
De leite e néctar banhada,
Em sua chegada,
Foi logo anunciar.

Eu, espírito pleno,
Rei dos povos terrenos,
A ti, pobre, ordeno,
Que do chão partirá.

Mas não pense ó sofrido,
Que é tudo o que digo,
Pois o que é proibido,
Logo irei lhe ditar.

Dos céus veio plena,
A regra que ordena,
Que tua viagem suprema
Mais de dois minutos, não durará.

E ai de ti, pobre ser,
Se tal regra desobedecer,
Sobre tu há de se abater,
A punição dos céus e do mar.

E se foi tal figura,
Deixando só a criatura,
Que pensava: Será a loucura,
Que veio me alucinar?

Pois logo se viu alado,
Tal ser de corpo mudado,
Que ao sentir tal estado,
Pensou: Meu Deus! Agora posso voar.

E se foi rapidamente,
Aos céus seguiu rente,
E em pensamento demente,
Pensou: Meu Deus! Agora estou a voar.

E o ser deslumbrado,
Atravessou o serrado,
E sobre um belo prado,
Começou a cantar.

E o ser, então calado,
Subiu mais um bocado,
E observou, encantado,
A bela vista do ar.

E em instante singelo,
Gritou: Meu Deus! Como é belo,
E que este momento, espero,
Possa pra sempre durar.

Pois eis que então,
Para dor em seu coração,
Uma voz, num clarão,
Começou a falar.

Sonhaste demais romântico, e agora ao chão cairás.

Mas, por quê? Pensou aflito,
Sei que é proibido,
Mas não faz sentido,
Por que não, pra sempre voar?

Mas seus ouvidos só podiam escutar:

Sonhaste demais romântico, e agora ao chão cairás.

Por que não pra sempre o belo?
Se é o bem o que eu quero,
Por que Deus, com seu martelo,
No julgamento me culpará?

Mas seus ouvidos só podiam escutar:

Sonhaste demais romântico, e agora ao chão cairás.

Mas pergunto-lhe então,
Por que jogar-me ao chão,
Se lá será meu caixão,
E não mais poderei levantar?

Mas seus ouvidos só podiam escutar:

Sonhaste demais romântico, e agora ao chão cairás.

Mas a ti imploro,
E para Deus oro,
Mais dois minutos, e não demoro,
Depois ao chão retornar.

Mas seus ouvidos só podiam escutar:

Sonhaste demais romântico, e agora ao chão cairás.

E caiu.

(Rafael Tenorio)

Um comentário:

Andarilho disse...

Me lembra João Cabral